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Naturezinha particular

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"É por demais de grande a natureza de Deus
Eu queria fazer para mim uma naturezinha particular
Tão pequena que coubesse na ponta do meu lápis
Fosse ela, quem me dera, só do tamanho do meu quintal
No quintal ia nascer um pé de tamarino apenas
Para uso dos passarinhos.
E que as manhãs elaborassem outras aves
Para compor o azul do céu.
E se não fosse pedir demais
Eu queria que no fundo corresse um rio
Na verdade, na verdade
A coisa mais importante que eu desejava era o rio
No rio eu e a nossa turma
A gente iria todo dia jogar cangapé nas águas correntes
Essa, eu penso é que seria a minha naturezinha particular
Até onde o meu pequeno lápis poderia alcançar"
Poemas rupestres é o nome do livro de Manoel de Barros onde foi publicada essa poesia ai de cima, chamada: O lápis, da qual foi retirada a frase bordada por uma passarinha chamada Helga na almofadinha de meu sobrinho que apareceu na foto que postei sábado aqui.
Os escritos do livro são fruto da infância do autor, inspirados na natureza e que a retratam sensorial e poeticamente, falando de pedras, árvores, bichos, água, terra,  sentimentos e sensações, de uma maneira pulsante, simples e metafórica. 
Acho quintais poeticamente e vivencialmente sensacionais e defendo que devia estar no estatuto da criança, do adolescente e do idoso, direito a um quintal. No do poema de Mané o pé de tamarino é dos pássaros e o rio, a parte mais importante, é símbolo de diversão e quem sabe não seja de treino para vida.
Uma curiosidade (que eu não sabia e pesquisei) é sobre o tal Cangapé que nada mais é do que uma brincadeira de pega-pega no rio, de onde alguém brota do fundo das águas determinado a derrubar quem está ao alcance. Estudiosos e leigos referenciam as brincadeiras de infância a lições e treinos para vida e um treino dessa brincadeira bem pode ser o de se preparar para situações daquelas que aprecem do nada, prontas a nos darem rasteiras, a testar e surpreender nossas habilidades, destreza, astúcia, medo. Na brincadeira e na vida, do leito a corrente, cada um tem que se defender e quem se prepara, quem treina brincando tem mais chances de sucesso quando não for brincadeira.
Nadando até o final do poema, declaro que amo cotocos de lápis para desenhar e escrever, de preferência com pontas gastas. E é com a pequenice da ponta do lápis que Manoel define a grandeza de se ter uma naturezinha particular, criadora, inventiva, fértil. Que assim plantemos e colhamos nossos canteiros, hortas, florestas particulares e do infinito ao nosso redor.

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