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Ilustrações, escritos e prozas

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"Diego não conhecia o mar
O pai, Santiago Kovakloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia
Depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos
E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor
Que o menino ficou mudo de beleza
E quando finalmente conseguiu falar
Tremendo, gaguejando, pediu ao pai: 
- Pai, me ensina a olhar!"
Eduardo Galeano foi quem escreveu esse trechinho 
No livro: "O Livro dos abraços"
Título a que me remete de primeira seu nome
Muito lembrado pelo seu lado politizado
Para mim, o seu lado poeta é seu lado A

Esse ano, por acaso (ou não) eis que passou pelas minhas mãos outro livro seu vindo da Argentina, das mãos de meu irmão, para as de nosso pai, chamado: Palavras andantes e quando vi as páginas ilustradas com xilogravuras lindas, pensei que era nordestino demais para ele, quem dera o cabra galego não tivesse gostado. Gostou! Como não gostar? Vou ter que um para mim providenciar!
Eu, matriculada para dia 15 de abril, para fazer uma oficina com o ilustrador do livro, o Pernambucano, pop e parceiro de Galeno, J. Borges, ouvi a tv dizer no dia 13 que o poeta foi abraçar marear, palavriar, ilustrar o céu. Ai, pensei: Vou fazer a minha primeira xilogravura para ele! Com o auxílio do mestre, bem querer e reverência aos pequenos grandes momentos que ele recomendava valorizássemos (e assim foi, mais ou menos).
Ilustrei quase nada mas tirei muitas fotos (dia desses trago mais pra cá), cheguei a rabiscar e um passarinho, sentada que nem fosse num ninho, do lado do homem, de canetas, estilete, lápis, óculos e algo mais no bolso da camisa, no pulso um relógio que nem o de meu saudoso avô (no bolso dele sempre havia um lenço e um trocado) e danei foi a prosear, ouvir histórias, falar que nem a nega do leite e também espiei com encantamento os outros fazendo desenhos e cavucando a madeira.
Um de seus filhos que por lá estava, não um que se chama Ariano, em homenagem ao outro mestre, que o amigo me contou, esse era Pablo Borges, simpatia e talento bem vi é coisa de família ou dá que nem mato nas bandas de Pernambuco. A ele perguntei coisinhas sobre o trabalho, ouvi instruções e peguei informações para tentar minhas produções em casa, longe do deslumbramento de estar ao lado de seu pai. Ele está todo dia e ainda assim parece saber o quanto é ímpar sua companhia.
Li por ai que em suas garimpagens de histórias, o amigo Eduardo dizia ter ouvido de tudo e o que de melhor ouviu, transformou em livros, onde no geral lembra como são grandes os pequenos momentos e como eles vão se abraçando, traçando a vida. A memória viva para ele e para mim nasce a cada dia, delicada, doce, amarga, talhada na madeira, numa tela, papel, teclado, em nós, variada e invariavelmente como a própria vida.
José Francisco Borges, artista popular, mestre artesão é um mestre de simplicidade e simpatia com seus setenta e nove anos. Nasceu e vive no município de Bezerros, em Pernambuco e sua produção artística é reconhecida regional, nacional e internacionalmente e a partir desse reconhecimento e da divulgação do seu trabalho e de outros artistas, a xilogravura tem ampliado cada dia mais seu potencial comercial e artístico além das revistas de cordel. Arte tradicionalmente associada aos folhetos, popular, que a partir do desenho escavado na madeira e das impressões feitas manualmente, revela temas da vida e da cultura nordestina, belezas, dores e gracejos. Retratos de costumes, personagens, tradições, vivências e do imaginário individual e coletivo, arte feita com as mãos e que através das mãos de ninguém menos que J. Borges, tive a oportunidade de aprender um tantinho, de fazer minha primeira xilogravura,  de aprender detalhes dessa arte.
A colher de pau em uma das fotos, usada para marcar o desenho no papel, além de legal, para mim deu mais um bem querer a ir comer acarajé (vou lembrar do ilustrador cordelista artesão quando a baiana remexer na colher de pau gigante a massa do bolinho dos deuses). É que o mestre antes de fazer cordéis e xilogravuras, fazia colheres de pau, da madeira de jenipapeiro e cada uma tinha um número, de acordo ao tamanho, mostrou em gestos como fazia a cava da colher e eu com cara de tacho só ouvia e registrava.

“Não pode olhar a lua sem calcular a distância
Não pode olhar uma árvore sem calcular a lenha
Não pode olhar um quadro sem calcular o prego
Não pode olhar um cardápio sem olhar as calorias
Não pode olhar um homem sem olhar a vantagem
Não pode olhar uma mulher sem calcular o risco”

Esse é segundo Galeano, um homem de êxito. Ou é como se acham, se julgam, se enganam os mortais. Meu êxito nem foi fazer a tal arte, mas ali está ao lado do homem mito, não pelas suas grandezas, mas pela vastidão das suas ricas miudezas. Seu Borges escreve, edita, ilustra, xilografa, publica, vende, é artista, editora, gráfica. E quem quiser um exemplar em casa de uma de suas produções não precisa ter grana, nem precisa ir numa galeria. Basta desembolsar uns trocados num cordel ou por 20 reais que leva um objeto com uma de suas obras para casa, as mesmas que ocupam paredes de importantes museus. Valendo visitar (eu já me bulindo para ir em Pernambuco) sua oficina, a 100 quilômetros do Recife, que é certo além da poesia, de madeira talhada e uma ruma de cordel, terá de brinde uma prosa das boas, entre o mar e o sertão, entre rimas e ilustrações, entre a genialidade e a simplicidade. Encerro esse mês de abril com o registro e compartilhamento dessa minha vivência. Até 2016 abril meu, rumo aos 40 anos de vida! Oh Lord, passou tão rápido!

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