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Eu torcedora

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Depois que eu vim morar nesse apertamento que moro hoje, diretamente das janelas, ao alcance das vistas, infantes, surgiram e se estabeleceram três quadras de futebol, uma ao lado da outra. Barulho de gente jogando, torcendo, bola para lá e para cá, holofotes que alumiam toda a rua, não sendo necessário estar na janela ou ouvir os sons das partidas para lembrar que os campos estão ali.
Meu filho eu bem gostaria fosse frequentador, tentei levar para aulas de futsal na infância, incentivei, torcia e vibrava vendo ele não jogar. Zero de vocação e menos um de esforço. O pereba saia da frente se estivesse no gol para bola não pegar nele, batia papo e perambulava no meio do campo e se desse a ele uma camisa do Vitória, Bahia ou qualquer clube para ele servia. Tentei os álbuns de figurinhas, partidas na tv, mas não nasceu com o garoto o bichinho da bola. Há que se aceitar além de lamentar. Incrível é que não nasceu também com meu irmão e olha que o gene é brasileiro com espanhol, tudo para serem boleiros por natureza. 
Não me lembro de nunca, eu disse nunca, nem na escola, nem nos prédios onde moramos, nem em casa, ver meu irmão chutar um bola ou vestir a camisa de algum time. E esse foi portanto para mim, um dos atrativos de meu marido, além da prancha de surf que nunca vi ele usar e que sumiu de repente de seus objetos e hábito. Propaganda enganosa eu diria, pois ele é totalmente de gravatas e não de havaianas. 
Vi muitas vezes ele chegar suado do baba (como se chama aqui em Salvador o futebol entre amigos, a conhecida pelada), marcar de jogar, ouvia encantada os comentários sobre os jogos, os dribles, adorava os joelhos esfolados, marcas jogador esforçado. Já joguei muito bola com ele na área, tipo corredor, do prédio onde eu morava e ele morava um prédio depois. Chutei muito a canela do coitado, dei chutes mais fortes que o necessário, disse muitos palavrões, praguejei (adoro essa parte terapêutica do futebol), mas vê ele jogar só uma vez muitos anos depois, numa comemoração de dia dos pais no colégio de nosso filho, em que achei (cega talvez) ele o melhor, gritei e torci como se fosse final de copa do mundo.
Fico irada com o machismo coletivo, que a mulher ir ver o marido ou namorado jogar é grude, é fiscalização, é inapropriado, intimidador dos papos e do clima clube do bolinha. Além de a maioria das mulheres não curtirem o espetáculo, acharem surreal irem domingo as 7 da manhã ver os maridos, filhos, irmãos jogarem ou irem ao estádio. Eu acho o máximo e iria se tivesse quem ver e nem ai para o que os demais fossem dizer.
Me realizei quando fui no Pacaembu em visita turística ao museu do futebol em Sampa e também na única vez que fui ver um jogo. Foi no Estádio de Pituaçu, eu disse a meu marido que ele no papel de pai deveria levar nosso filho para viver essa experiência, ele embarcou no programa solicito e certo de que era eu que queria ir. O jogo escolhido foi o de meu time com um que não tem torcida eu presumi. O jogo não tinha importância no campeonato e portanto p estádio estava um deserto só. Para mim valeu, teve chuva para dar emoção, tirei muitas fotos, xinguei, falei mil bobagens e no começo do segundo tempo o menor dormindo e o grande já no limite decidiram que era hora de ir. Já tentei ir uma segunda vez com o argumento de conhecer a nova e imponente Arena fonte nova, mas não obtive sucesso ainda.
Meu pai nunca torceu por nada, nem para chover, é alheio a tomar partido a não ser político, diz ele que foi goleiro, mas contar histórias também não é muito com ele, contou isso e pronto, detalhes nem espremendo ele que nem laranja. Meu avó ouvia assiduamente jogos e notícias em seu radinho de pilhas, para mim uma lembrança e uma cena poética: um senhor e um rádio colado no ouvido, gestos, olhares e o entendimento daquela narração na velocidade da luz. Eu nunca entedia nada, nem entendo até hoje. Não consigo acompanhar para onde vai e vem a bola, realizar se os nomes dos jogadores com ela são os meus ou os dos adversário, aturar os bordões e comerciais pelo meio do jogo. Espero o nome do time que fez o gol após o grito ou o placar para me situar é o máximo que consigo. Nunca perguntei porque ele decidiu sendo espanhol e tenho o time Galícia aqui torcer, ser Vitória, presumo que seja bom gosto, era um homem de bom gosto. Gostava de fazer piadas com os rivais, ficava sorridente quando ganhava e também quando perdia, mais um motivo presumo de ele ser rubro negro, torcedores tricolores e alvo e negros tem mais dificuldade de perder.
Todo esse papo de bola e de minha carência por não ter camisas de time no varal e quem ir ver jogar bola, com quem falar de futebol, quem pare tudo para ver uma partida com direito a torcer loucamente e sacanear com gosto o time rival, sem falar do que já falei por aqui: minha tendência por torcer para times avulsos por motivos n, é um registro de esperança verdinha que nem gramado bem cuidado. É que, lá estava eu na casa de meus pais, na varanda que já apresentei aqui e minha irmã tirou do kit mil e uma coisas de meu sobrinho uma bola e assim que ela tocou no chão o garoto de um ano não foi com a mão para pegar nela, foi direto com o pé, com total intimidade, muitos chutes seguidos, domínio e a consagração: coloquei um chinelo paralelo ao outro e lhe apresentei o golzinho de rua, de improviso, chuta aqui no meio que é gol Zaion! Ele entendeu prontamente pois o pai assiste muito a jogos na tv e ele conhece a palavra gol como conhece papai e mamãe. Sorriu, entendeu, mas não tem a coordenação necessária ainda.
Ai chegou o tio ruim de bola com uma trave bonita, do tamanho do guri, totalmente burguesinha tipo bola de couro de marca de quem não sabe jogar mas tem a melhor bola. E o moleque? Ah! Orgulhou a tia e não gostou da tal trave. Vai gostar de bola esse eu idealizei e resolvi aqui cronicalizar para quanto mais gente vibrar junto, vingar.
Desejo que para ele bola seja qualquer coisa esférica que role, um papel embolado, uma tampinha de garrafa, uma laranja, abola dele a dos outros, as achadas sem dono. E que jogue descalço ou de chuteiras, no time dos sem camisa, sem juiz por favor e milhares de não podes. Com medida claro, mas carrinho é uma coisa linda de se ver, fazer então deve ser o máximo. Quem sofre? Bem! Que não seja ele!
Rubro negro claro, de usar a camisa em festas, em domingos de jogo e nos dias depois dos jogos só se o time ganhar. Com histórias de quebrar vidraças e telhados, pular muros para pegar a bola ou para jogar em campinhos alheios e se a dona onde a bola cair no quintal for chata: charme.
Que não fique no banco e se ficar não deprima, seja chamado de volta porque é o melhor, que sai do jogo pela orelha para fazer a lição mas nunca porque arrancou a tampa de um joelho ou uma unha. Nos casos de confronto, conversa, correr mais rápido que todo mundo e se for inevitável que saiba bater ou tenha quem chamar que saiba.

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